No zoológico de Leipzig, vivia ali por volta de 2004, se não vive ainda, uma imponente tigresa adulta. No caminho para o laboratório, passávamos todos – alunos, pesquisadores, tratadores, visitantes – pelos fundos dos recintos noturnos do zoo, e no meio do caminho havia a tigresa. Livre do horário de visitação, a gata rondava a cela naquele autismo característico do felino enjaulado, de um canto a outro, repetidamente.
O entardecer do inverno alemão, o céu rubro-cinza cortado pela silhueta da tigresa em movimento, os olhos brilhando. Muitos de nós não víamos ali um pobre animal aprisionado, mas uma fera poderosa, pronta para saltar sobre o cardápio de BSs, MSs e PhDs e suas respectivas reputações acadêmicas.
O corpo da tigresa, já sem listras nítidas (e é preciso nitidez no óbvio?) no anoitecer, fala com todos os que observam, diz por ser corpo e ser vivo, e diz por ser corpo no observar de outros corpos. Ouvir a lingua dos corpos não está no cardápio de opções do vivo e daqueles que falam sobre o vivo. O prato é servido quente, ininterruptamente, da alvorada ao ocaso de todos os seres.